Empreendedoras da sustentabilidade
Elas trocaram suas carreiras corporativas para abrir empresas responsáveis nos âmbitos social e ambiental. Conheça a força feminina em cinco negócios de alto impacto.
Ariane Santos. Mulher, brasileira, negra, periférica e empreendedora da sustentabilidade. A fundadora e CEO da Badu Design engrossa duas estatísticas que não param de crescer. A primeira é a do empreendedorismo feminino. Hoje, mulheres representam 33,9% do total de 2,8 milhões de brasileiros donos de empresas, 41% acima de antes da pandemia. A segunda: das que enveredam por modelos produtivos socioambientalmente responsáveis. Mais de 1,3 mil empresas nacionais são declaradas como de impacto, 29,7% a mais do que o levantamento anterior, de acordo com a consultoria Pipe.Labo. Dessas, 257 já receberam o selo do movimento global de companhias que buscam aliar lucro com o desenvolvimento sustentável, o Sistema B. Em 2021, eram 185 empresas B no País.
Na história de Ariane há outros pontos em comum com as de tantas empreendedoras. A Badu Design nasceu por necessidade. Ela trabalhava em uma corporação quando sua avó adoeceu e precisou de cuidados intensivos. Ao passar dois anos dentro do hospital, conheceu diversas mulheres que dedicavam a vida a cuidar de outras pessoas, mas que não tinham quem cuidasse delas nem mesmo no aspecto financeiro. Após a perda da avó, entrou em depressão profunda, até que teve um estalo. “Concluí que meu desejo era fabricar produtos manuais que alcançassem um propósito maior de impactar positivamente a vida das pessoas”, afirmou Ariane.
“Nosso propósito é levar a biotecnologia de forma tangível e acessível para as pessoas. Vi nos cosméticos um caminho” Mariana Silva, fundadora e CEO da Planty Beauty.
A empresa começou em um quarto de sua casa, em Curitiba, com a produção de agendas e cadernos costurados à mão. Feitos de materiais recicláveis e com designs únicos, eles se tornaram a base de um negócio em rede que usa sobras industriais para produzir diversos produtos e acessórios. Além de ajudar o País a resolver o problema de resíduos sólidos que hoje somam mais de 70 milhões de toneladas ao ano, a empresária atuou também no lado social.
Hoje, Ariane trabalha com uma rede de 800 mulheres, a maioria em situação de vulnerabilidade, em um modelo de negócio que atua em três frentes. A comunidade, por meio da reconexão pessoal. A sustentabilidade socioambiental, com a ressignificação de resíduos têxteis. E a geração de renda, por meio do comércio justo. “Na Badu Design uni minha formação em administração, a experiência corporativa e a vontade de ajudar outras mulheres em um negócio com propósito”, afirmou.
Engana-se, porém, quem acredita que o empreendedorismo social feminino tem um só perfil. Mulheres escolhem esse caminho apoiadas em contextos de vidas bastante diversos. Formada em biomedicina, Mariana Silva, fundadora e CEO da Planty Beauty, teve como principal motivação a ciência. “Nosso propósito é levar a biotecnologia de forma tangível e acessível para as pessoas. Vi nos cosméticos um caminho”, afirmou.
A jornada começou com uma tentativa de produzir cannabis medicinal junto a colegas da USP. Mas a iniciativa não deu certo. Após um período de reflexão, Mariana viu que também não queria voltar para a vida corporativa, experiência que havia acumulado em fintechs. “Aos 25 anos, me bateu uma crise e eu comecei a olhar o que queria ser aos 30.” Essa é sua idade hoje e, segundo ela, não poderia estar mais feliz com a empresa que dá às consumidoras uma alternativa aos cosméticos químicos. Seu hidratante corporal usa elementos da biodiversidade brasileira como caju e guaraná. O negócio é incipiente. Após um período de desenvolvimento que consumiu parte dos investimentos de R$ 350 mil de capital próprio e R$ 150 mil de um investidor anjo, a marca chegou ao mercado em abril e gera faturamento de R$ 15 mil por mês. A ampliação do portfólio já está em curso com limpador facial e o refil do hidratante. Tudo em embalagem com plástico reciclado e compensado em uma parceria com a ONG Eureciclo.
TRIPLO ECO Algo que une as empreendedoras à frente de negócios de impacto é a preocupação com a sustentabilidade de ponta a ponta. Fundadora da Onda Eco, Stefania Boneti era velejadora quando passou a ver na poluição dos oceanos uma ameaça real para o meio ambiente. Ao decidir se engajar nessa causa, ela teve o cuidado de conciliar o discurso à prática. “A reputação e a credibilidade estão em trazer uma verdade para os negócios, porque há uma grande desconfiança de greenwashing”, disse. Com o aumento da pressão por boas práticas ESG, muitas empresas adotam ações pontuais que funcionam muito mais como marketing. Por isso, quando ela decidiu transformar sua experiência de vida em negócio, pensou na cadeia produtiva inteira.
“A reputação e a credibilidade estão em trazer uma verdade para os negócios porque há uma grande desconfiança de greenwashing” Stefania Bonetti, Fundadora da Onda Eco.
A Onda Eco se baseia no “triplo eco”. O primeiro vem de ecologia e se aplica às características dos produtos: naturais, biodegradáveis, hipoalergênicos e veganos, além de serem embalados com plásticos coletados do mar. O segundo é de economia. Segundo a empreendedora, as linhas da marca são em média 40% mais baratas do que as dos concorrentes do segmento ecológico. No portfólio há limpa-vidro, detergente, multi-uso, limpa-roupas e uma linha B2B para limpeza de escritórios, hotéis e afins. O terceiro é de ecoar. “Queremos disseminar as nossas ideias e projetos do bem”, afirmou Stefania. Fruto de investimentos de R$ 300 mil, a empresa que tem o selo do Sistema B desde 2021 projeta faturar R$ 2,5 milhões este ano, 60% a mais do que em 2021. E vem se preparando para uma rodada de captação de investimentos.
MODA Nem sempre o mercado aceita facilmente as ideias do bem. Ainda mais em segmentos disputados como o da moda, área escolhida pela empreendedora Isabela Chusid. Ela é a fundora da Linus, marca que tem como carro-chefe sandálias feitas com PVC ecológico expandido. Em sua produção, ela substituiu os lubrificantes e plastificantes à base de derivados de petróleo por óleos vegetais. Além disso, 70% da energia usada no processo vem de fontes renováveis. Talvez por pensar e agir de forma diferente da concorrência, enfrenta barreiras para comerciaizar seus produtos. A seu lado, contudo, estão os consumidores.
“O mercado está tão carente de marcas que tragam produtos sustentáveis de forma genuína que os resultados são incríveis” Isabela Chusid, fundadora e CEO da Linus.
“O mercado está tão carente de marcas que tragam produtos sustentáveis de forma genuína que os resultados são incríveis”, afirmou Isabela. Em 2018, primeiro ano da empresa, a produção foi de 900 pares. Os preços variam de cerca de R$ 170 a R$ 250 no site da Linus. As vendas cresceram 700% de 2019 para 2020 e outros 400% no ano seguinte. Para este ano, a expectativa é dobrar de tamanho.
“Com a plataforma digital, chegamos a diversos outros países”, afirmou a empreendedora citando pedidos da Índia e até de um estilista americano que pediu para usar o modelo no seu desfile. Ela já mapeou acessos vindos de mais de 90 países. “Ainda que nem todos se convertam em vendas, a estratégia é importante para tornar a marca mais conhecida”, afirmou. Com algumas visitas, porém, chegam pedidos. Por isso, Isabela acaba de abrir um e-commerce na Europa. Já as lojas físicas nasceram após muitas consumidoras irem ao escritório para conhecer o produto. Atualmente, além do e-commerce da marca, os calçados estão à venda em cerca de 50 pontos de comércio de todo o Brasil.
CROWDFUNDING Se entrar no disputado mercado da moda com produtos sustentáveis já é algo que exige coragem das novas empreendedoras, o que dizer então de Raíssa Assmann Kist? Junto a suas sócias, ela enfrentou o tabu de fazer e vender produtos para menstruação. A Herself, marca de calcinhas e biquínis absorventes, nasceu em 2016, quando ela ainda cursava engenharia química na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Usamos tecnologia e buscamos sustentabilidade em quase todas as áreas, então trouxemos esse conceito também para a menstruação”, afirmou Raíssa. Para o lançamento da marca, as empreendedoras lançaram um crowdfunding em 2017. Foram R$ 113 mil arrecadados em quase 800 apoios. Em 2022, três fundos compuseram parte da rodada pré-seed de R$ 1,5 milhão.
“Usamos tecnologia e buscamos sustentabilidade em quase todas as áreas, então trouxemos esse conceito também para a menstruação” Raíssa Assmann Kist, fundadora da Herself.
Como canais de distribuição, nenhum segredo. Os produtos da Herself estão no e-commerce para todo o Brasil e pontos de venda em São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. A novidade vem no processo de internacionalização iniciado em 2020 para mercados como Chile, Uruguai e Colômbia. Para lojas parceiras, no entanto, há uma prioridade na escolha. “Sempre preferimos lojas que estejam alinhadas com a moda sustentável e que sejam de mulheres empreendedoras”, afirmou Raíssa.
E, assim, essas mulheres vão formando uma rede que mostra que é possível sim ter coerência de propósito nos mais diversos segmentos de mercado.
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